segunda-feira, 13 de junho de 2011

Noite de S. João


Desde criança que a noite de S. João era noite de folia!
Meu pai alimentou em mim este gosto que também já lhe vinha de tenra idade, como bom nortenho dos arredores do Porto.
Segundo o que nos contava, ele e meu tio começavam algumas semanas antes a preparar a cascata joanina construindo as casas típicas da ribeira e todo o ambiente envolvente que lhe era característico, complementada pelos bonecos de barro feitos pelos ceramistas de Avintes.
Quando eu era criança, meu pai aliava as tradições de Lisboa às tradições do Porto e construía connosco os tradicionais Altares de Santo António e as cascatas de S. João, embora de uma forma pouco elaborada.
Para os altares de Santo António, eu ,os meus irmãos e mais alguns gaiatos da rua, íamos «roubar»  umas caixas do peixe, que empilhávamos de forma habilidosa encostadas aos muros da feira e depois cobríamos com uma colcha de seda vermelha emprestada, com algum custo, pela minha avó Lúcia ou por uma mãe um pouco mais fácil de convencer.
Depois, no cimo do altar, colocávamos o Santo que naquele dia se venerava - Santo António, S. João ou S. Pedro. O cimo do altar ainda poderia ser mais composto se lhe acrescentássemos uma jarra com flores ou um manjerico e uma vela que seria acesa ao anoitecer.
Pelos três andares inferiores também se distribuíam outras figuras de santos descobertas pela casa de cada um, velas e  pequenas jarras de flores.
Para armar a cascata ao fundo do altar, os mais ágeis do grupo iam com um balde até aos poços atrás das nossas casas, nas «Tapadas», recolher os limos que cresciam ao cimo das águas, sem medirem os perigos.
Atapetávamos então o chão com os limos e começávamos a distribuir as típicas figurinhas de barro que meu pai nos comprava não sei dizer onde, mas talvez no Porto, lá para os lados dos Clérigos.
Quando tudo estava pronto, eram distribuídos os pratinhos de lata ou de plástico e começava-se o peditório às pessoas que por ali passavam.
«Dê-me um tostãozinho para o Santo António»
E as pessoas, com carinho, e apesar das dificuldades da época, lá deixavam cair no pratinho cinco ou dez tostões e um sorriso.
Os mais aventureiros atreviam-se a ir até à parte baixa da vila fazer peditório e concorrência aos «betinhos» que viviam por aquelas bandas, achando-se superiores só por viverem ali.
Ao fim de algum tempo os elementos do grupo começavam a regressar até junto do altar que apadrinhavam para entregar a coleta feita que depois era guardada numa lata do colorau escondida debaixo do altar e da colcha.
Entusiasmados, contávamos a receita cada vez que chegava mais um elemento do grupo com mais umas moeditas.
No fim do dia retirávamos algum dinheiro para ir comprar velas à loja da minha avó, pois o altar teria de ser alumiado. A festa iria continuar pela noite dentro.
Às vezes, se arranjávamos um adulto que nos fosse comprar uns foguetes ao «Gilinho» e se comprometesse a lançá-los, entregávamos parte do peditório para assim vernerarmos o santinho.
Chegava então o momento de recolher lenha para fazermos as fogueiras à noite. Cada um procurava trazer umas vides ou uns ramos de oliveira que recolhia pelas suas eiras ou roubava aos vizinhos, preparando assim a festa da noite.
Ao jantar íamo-nos revesando. Quando nos voltávamos a reunir novamente, já vinhamos acompanhados pelas mães, pais, irmãos, avós e vizinhos que queriam participar neste convívio de diferentes gerações.
Ajudavam-nos então a acender a fogueira, lançávam-nos os foguetes, cantavam connosco e participavam nas canções de roda.
A noite animava-se. Por vezes queimavamos alcachofras na esperança de descobrir ou confirmar paixões.
Os mais arrojados saltavam a fogueira.
Os pirilampos ajudavam neste ambientede alegria, pois alguns de nós tentava caçá-los para os por num copo com sal  e, assim , ver aparecer mais umas moeditas.
A noite avançava e os mais novos começavam a procurar os colos das mães para aí fazerem o seu primeiro sono.
Estava na hora de recolher as tralhas e regressar a casa.
Num trabalho cooperado, rapidamente tudo ficava arrumado na nossa adega, esperando o próximo Santo Popular e, dando as boas noites, lá partíamos em debandada até às nossas camitas, não sem antes nos livrarmos das poeiras e farruscas que a folia nos deixara.
Isto era  Ser Criança!
Ter Liberdade, embora supervisionada.
Conviver com as diferentes gerações.
Aprender a tomar decisões e a gerir.
Manipulavamos o dinheiro.
Brincávamos e crescíamos de forma saudável.